Jerónimo
de Sousa visitou as zonas industrial do Passil e ribeirinha Samouco-Alcochete,
no final fez declarações sobre o novo aeroporto que «não pode
ser pretexto e oportunidade para o desenvolvimento de grandes negócios
especulativos em prejuízo das populações». O Secretário-geral
afirmou que «grave situação económica e social que o país enfrenta é bem o
resultado de uma política que colocou esses interesses acima dos interesses do
país, dos trabalhadores e das populações.»
Sobre os impactos do novo aeroporto
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
As
nossas mais cordiais saudações a todos os presentes e um agradecimento muito
especial a todos os que nos acompanharam nesta visita que acabamos de realizar
às zonas industrial do Passil e ribeirinha Samouco-Alcochete, bem como pelas
informações prestadas em relação à evolução do processo que visa concretizar no
Campo de Tiro de Alcochete o novo Aeroporto Internacional de Lisboa,
particularmente as que se referem ao impacto no território das medidas
preventivas já decretadas pelo governo e que abrangem um significativo número
de municípios.
Em
Janeiro deste ano, após a confirmação pelo governo da opção pelo Campo de Tiro
de Alcochete para a construção do novo aeroporto, um dos aspectos que tornámos
saliente na posição pública que então tomámos, para além da necessidade de
contrariar os objectivos privatizadores do governo em relação a esta importante
infraestrutura de interesse nacional, era o perigo de o novo aeroporto poder
ser construído à margem do Poder Local e dos instrumentos e regras de gestão e
ordenamento do território, em detrimento das necessidades do desenvolvimento
local e regional e da qualidade de vida das populações.
As primeiras decisões do governo do PS estão a confirmar
a pertinência dos nossos alertas, não só em relação à forma como tem vindo a
legislar, omitindo a participação e opinião das autarquias, como em relação ao
conteúdo das decisões já tomadas, consubstanciadas no "Regime de medidas preventivas
na zona do campo de tiro de Alcochete". Medidas que revelam uma inaceitável
marginalização das autarquias no processo de decisão e uma clara expropriação
das competências dos municípios em matéria de ordenamento do território e
gestão urbanística.
Sobre
os impactos negativos deste regime e sobre as excessivas e desproporcionadas
medidas nele previstas, o meu camarada Luís Franco, Presidente da Câmara de
Alcochete, deixou aqui, na intervenção que me antecedeu o conjunto das
preocupações e o desacordo em relação à secundarização dos municípios face ao
conjunto das entidades que no contexto do novo regime, assumem uma larga margem
de discricionariedade no processo de transformação do território.
Preocupações
que o PCP secunda e na superação das quais os municípios e as populações dos
concelhos envolvidos podem contar com a sua activa solidariedade.
Activa
solidariedade na exigência da recuperação dos mecanismos e competências que
permitam aos municípios, tal como estava previsto para a OTA, decidir sobre os
processos e actividades nos territórios abrangidos, no respeito pelas regras e
competências das outras entidades envolvidas.
Não
deixa de ser caricato que o governo negue aos municípios poderes de intervenção
e decisão sobre o território, naturalmente condicionados por desejáveis medidas
preventivas, devidamente tipificadas, ao mesmo tempo que se projecta a
privatização da ANA-SA, com poderes que podem condicionar o desenvolvimento
futuro dos concelhos abrangidos.
Num
distrito, onde os municípios têm desenvolvido um trabalho pioneiro,
nomeadamente no domínio do planeamento e no desenvolvimento de políticas
qualificadoras do território, na elaboração de programas gerais e sectoriais
que têm permitido mostrar as potencialidades desta Região e afirmar uma
estratégia de desenvolvimento regional e local, a exagerada vontade proibitiva
que domina o regime das medidas preventivas, só pode traduzir-se numa
desnecessária paralisia do desenvolvimento dos territórios abrangidos, em
prejuízo dos interesses locais, das populações e do desenvolvimento das suas
actividades.
Ao
contrário do que se impunha o actual caminho que se esboça de completa
governamentalização das decisões e do afastamento das populações e dos seus
representantes das opções a tomar só pode acentuar os riscos, que são reais, de
colocar todo o território da zona envolvente do novo aeroporto a reboque do
projecto imobiliário, da especulação financeira e dos grandes interesses.
A
construção do novo aeroporto não pode servir apenas os grandes interesses, tal
como não pode ser pretexto e oportunidade para o desenvolvimento de grandes
negócios especulativos em prejuízo das populações e à margem dos seus
interesses. O governo já demonstrou com a declarada intenção de privatizar a
ANA, a empresa pública nacional responsável pelo conjunto de infraestruturas
aeroportuárias, que não é o interesse nacional que está no centro das suas
preocupações.
A
grave situação económica e social que o país enfrenta é bem o resultado de uma
política que colocou esses interesses - os interesses dos grandes grupos
económicos e da especulação financeira - acima dos interesses do país, dos
trabalhadores e das populações. Grave situação que os recentes dados do INE
confirmam e que voltam a chamar a atenção para o contínuo agravamento da
evolução económica e social do país.
Nestes
últimos dias temos assistido ao retomar do demagógico discurso do país robusto
e resistente à crise internacional para justificar a manutenção do rumo
desastroso das actuais políticas do governo, mas é uma evidência que não só o
crescimento continua em queda e em progressivo desaceleramento, como o país
está mergulhado na completa estagnação.
O
governo continua a não apresentar qualquer perspectiva para conter e inverter
esta situação e as medidas pontuais que tem anunciado, sempre a reboque dos
acontecimentos, não têm impacto significativo na solução da crise, como o
demonstram os dados do Banco de Portugal de há três dias e que revelam um país
cada vez mais hipotecado e dependente, com as contas externas a apresentarem um
novo e mais grave desiquilíbrio.
O
governo em vez de procurar soluções e tomar medidas, aguarda que um milagre
vindo de fora aconteça para relançar a economia e promover o desenvolvimento do
país. É esse na essência o pensamento do governo que passou a justificar
erradamente a situação e os problemas do país em função da evolução da
conjuntura internacional.
O
governo do PS é hoje um governo resignado que espera que o pior não aconteça,
isto é, que o país não mergulhe na completa recessão. Não é, certamente
sufocando a iniciativa local e coartando a capacidade de desenvolvimento das
micro, pequenas e médias empresas e abandonando à sua sorte os sectores
produtivos nacionais que o evitará.
Na
actual situação de agravada crise, o que apenas parece crescer e florescer é o
património das grandes fortunas. Foi publicada também há dias a tabela das 100
grandes fortunas do país. Apenas uma centena de ricos têm na sua mão a colossal
fortuna de 32 mil milhões de euros. Em 2007 as 100 maiores fortunas cresceram
quase 40%! O ano de 2008 vai pelo mesmo caminho, apesar do lamento que por aí
anda para fazer crer que a crise toca a todos. É ver os lucros já conhecidos
nestes primeiros seis meses do ano só dos sectores financeiro, energia e
telecomunicações: - 2 606 milhões de euros. Há quem ache que é pouco, mas só na
EDP são lucros mais de 65% superiores ao mesmo período do ano passado e em
relação à GALP significam mais 30,7% do que no primeiro semestre de 2007.
Isto
para falarmos de duas empresas cujos lucros pesam e pesam bem nas contas das
famílias portuguesas e na actividade das micro, pequenas e médias empresa.
Mas
as consequências e o fracasso das políticas do actual governo do PS estão cada
vez mais patentes no acumular dos indícios que revelam um preocupante
agravamento da situação social. Cada vez mais portugueses estão desprotegidos
perante a situação de desemprego. 263 mil não recebem subsídio de desemprego.
Cada vez mais portugueses estão dependentes do apoio do subsídio do Rendimento
Mínimo (RSI). Cresce o crédito mal parado e milhares de outros portugueses
estão hoje dependentes para comer de instituições de solidariedade social.
Milhares e milhares de portugueses empobrecem a trabalhar.
Este é o resultado da existência da alta taxa de
desemprego do país, do crescimento exponencial do trabalho precário, de uma
política que fez da moderação salarial e da diminuição dos salários reais a
pedra de toque da política de rendimentos. Este é resultado da perda
sistemática de poder de compra dos rendimentos do trabalho e das pensões nos
últimos três anos. Uma realidade que se agravou ainda mais com o desmedido
aumento dos preços dos bens e serviços essenciais. Este é o resultado das
políticas de uma obsessiva política monetarista que tem agravado a taxa de
juro, com consequências dramáticas para muitas famílias, particularmente para
as jovens famílias. Alguns estão preocupados com este ou aquele banco. Não vão
à falência, apesar das irregularidades que cometem. Quem corre o risco de
falência são milhares de pessoas. Quem corre o risco de insolvência são
milhares de famílias para manter os lucros escandalosos da banca. Este é o
resultado também de uma contra-reforma da segurança social que este governo
promoveu e que crescentemente restringe a sua resposta aos problemas sociais
dos desempregados, das famílias em situação de carência e dos reformados,
acentuando o rasto de injustiça social da sua política.
Perante
o acumular do agravamento dos problemas sociais, o governo passou a
intensificar a propaganda e a demagogia e a utilizar a manipulação estatística
para encobrir a realidade. É lamentável o despudor com que o primeiro-ministro
se apresenta a dizer ao país que criou 133 mil novos empregos, para dar a ideia
que vai cumprir a prometida meta de 150 mil novos postos de trabalho. A verdade
é que entre o segundo trimestre de 2005 e o segundo trimestre de 2008, o
emprego criado líquido não ultrapassou os 86 mil postos de trabalho, sendo a
grande maioria precário. Não há manipulação estatística que possa esconder a
gravidade de o país manter uma taxa de desemprego de 7,3%, superior à média
comunitária, sem contar com cerca de 16% dos trabalhadores desempregados nos
dois últimos trimestres, que abandonaram o mercado de trabalho, isto é, são
hoje inactivos e como tal não contam para o cálculo da taxa desemprego.
É perante
esta realidade que é necessário afirmar claramente que, sendo do interesse
nacional e regional a construção do novo aeroporto internacional de Lisboa, ele
não é a panaceia para a resolução dos problemas que esta região e o país
enfrentam e que resultam, em larga medida das políticas que negligenciaram a
defesa dos sectores produtivos nacionais e que medidas e decisões como aquelas
que o governo está a tomar dificultam ainda mais o esforço que esta região está
a desenvolver para criar mais riqueza, garantir mais actividades e mais
diversificadas, mais emprego e melhores condições de vida para as populações.
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