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Debate - «Desigualdades Sociais e Pobreza - Apontar Saídas e Soluções »
Lisboa
A evolução económica e social registada no nosso país nas últimas décadas constitui o maior libelo acusatório contra o modelo económico neoliberal.
Todos nos lembramos de ouvir falar nas virtudes do livre mercado e da importância da redução da intervenção do Estado na economia, com que fomos metralhados durante anos e anos.
E todos sentimos na pele os resultados dessa política neoliberal que conduziu à institucionalização dos contratos a prazo, à lei dos despedimentos, à liberalização da circulação de capitais, à política de privatizações de serviços públicos.
Em suma a que o Estado se demitisse do seu papel fundamental na economia, privatizando grande parte do sector financeiro, o sector energético, o sector dos transportes e comunicações e outros sectores básicos da economia, entre os quais a própria educação e a saúde.
Que levou à destruição de grande parte do aparelho produtivo, que se registou nas últimas décadas e que levou a que sectores produtivos fundamentais – a agricultura, as pescas e importantes sectores industriais, nomeadamente os da indústria de base siderúrgica, metalo-mecânica pesada e indústria naval – vissem o seu peso no Produto Interno Bruto Nacional baixar para níveis preocupantes, com óbvias consequências no agravamento dos nossos défices estruturais – agro-alimentar, energético, científico e tecnológico, entre outros.
Portugal é hoje, fruto de sucessivas políticas neoliberais seguidas pelos diferentes Governos, PS, PS/CDS, PSD/CDS, PS/PSD, PSD, PS, PSD/CDS e finalmente PS, um país mais frágil, mais pobre, mais endividado, mais dependente, mais desigual.
O modelo económico neoliberal que Sócrates agora parece querer renegar nas palavras mas que na prática contínua a seguir, a aprovação do Código de Trabalho é o exemplo mais flagrante das políticas neoliberais aplicadas às relações laborais, foi e é responsável em termos sociais por enormes retrocessos, depois dos avanços que a revolução de Abril nos trouxe.
É bom lembrar aqui os anos de 74, 75 e 76 em que o peso dos salários no Rendimento Nacional ultrapassou os 50%, atingindo mais precisamente os 59,5% em 1975. Vale a pena fazê-lo agora que, de acordo com os últimos dados disponíveis sobre a distribuição do Rendimento Nacional de 2006, esse peso é apenas de 40,6%. Valor em torno do qual nos últimos onze anos se tem situado o peso dos salários no Rendimento Nacional.
É bom lembrar aqui que Portugal, de acordo com a última informação disponível sobre a distribuição do rendimento entre os 30 países da OCDE, só é ultrapassado com maior desequilíbrio nessa distribuição pela Turquia e pelo México.
Já de acordo com o Eurostat, serviço de informação estatística da União Europeia, Portugal apresentava em 2007, tendo por base os rendimentos auferidos em 2006, o maior quociente entre os 20% das famílias de mais elevados rendimentos e os 20% de mãos baixos rendimentos, 6,5.
Somos o país mais desigual da União Europeia.
O nosso país em pleno séc. XXI, apresenta 18% dos portugueses, cerca de 2 milhões, a viver abaixo do limiar de pobreza, com um rendimento mensal de 366 euros, tem 26% da nossa população com mais de 65 anos na situação de pobreza, tem 43% dos agregados familiares constituídos por 2 adultos e três ou mais filhos dependentes nessa mesma situação de pobreza.
Chegámos à lamentável e degradante situação de 32% da população desempregada, 23% da população reformada e até mesmo 10% da população empregada viverem abaixo do limiar de pobreza.
Enquanto isto acontece do lado dos mais desfavorecidos, as grandes fortunas florescem e os lucros dos grandes grupos económicos vão-se acumulando, mesmo em tempos de crise.
Só entre 2004 e 2007 os cinco maiores grupos financeiros viram os seus lucros subir escandalosamente 75% e mesmo em 2008, os quatro principais grupos financeiros privados apresentaram de lucro mil duzentos e setenta e um milhões de euros.
No final de 2007 as cem maiores fortunas do nosso país equivaliam a 20%, ou seja 1/5 da riqueza nacional.
Mas há mais, se olharmos para o mercado do trabalho, o modelo social neoliberal fez com que no final de 2008 cerca de 32% da população empregada tivesse um vínculo precário, só a Espanha e a Polónia nos ultrapassam em precariedade.
É também este modelo neoliberal o responsável pela redução do nº de trabalhadores qualificados, enquanto o trabalho não qualificado não para de crescer.
É sintomático que a classe profissional que nos últimos anos maior acréscimo registou foi a classe dos trabalhadores de serviços e vendedores.
Somos cada vez mais um país de vendedores e de serviços, em detrimento de um país de produtores o que naturalmente nos fragiliza perante os outros, em particular em momentos de grave crise como aquele que vivemos, tornando-nos completamente dependentes do exterior.
É sintomático que no final do 1º semestre de 2008 cerca de 100 mil trabalhadores licenciados exerciam funções não qualificadas ou pouco qualificadas e que no final de 2008, 57 600 licenciados se encontravam na situação de desempregados.
Muitos outros exemplos poderia trazer para aqui demonstrativos dos impactos muito negativos que o modelo económico neoliberal teve sobre o desenvolvimento do nosso país.
Não existem hoje dúvidas de que a saída para a crise que vivemos passa pela ruptura total com esta política neoliberal, por uma nova política que aumente o peso do Estado nos sectores estratégicos, sector financeiro, sector energético, sector dos transportes e comunicações, pelo reforço dos meios financeiros das autarquias para que elas possam rapidamente acelerar o investimento público, pela dinamização do investimento público a cargo da administração central, pela aposta clara e inequívoca no reforço do aparelho produtivo nacional, pelo apoio às MPME, não apenas através da criação de linhas de crédito bonificado mas também pela intervenção através da CGD na regulação do mercado de crédito, forçando a descidas dos chamados “spreads” ou seja das margens de lucro que a Banca de uma forma completamente imoral, tendo em conta que o Estado é hoje avalista de muitos empréstimos que obtém no mercado internacional, continua a subir nas operações de crédito às empresas e às famílias.
Finalmente esta nova política que é necessária e urgente tem que apostar de forma clara num novo modelo de repartição do rendimento, em favor do factor trabalho, de valorização do trabalho e de reforço dos direitos daqueles que efectivamente produzem a riqueza, os trabalhadores.
É a esta a política de que o nosso país precisa e que os trabalhadores merecem.
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