Partido Comunista Portugu�s
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"Outra efeméride"
Vítor Dias no "Semanário"
Sexta, 12 Novembro 2004

Em crise momentânea de inspiração para mais e melhor, hoje só nos resta deixar aos leitores três anotações soltas sobre assuntos tão diversos como uma efeméride silenciada, a saborosa questão das agências de comunicação e o provável referendo sobre a “Constituição Europeia”.

E, seguindo a ordem, queremos então dizer que se bem reparámos a generalidade dos órgãos de comunicação social, sempre tão atenta às efemérides como há dias acabámos de ver com outra, não reparou que, no passado dia 1 de Novembro, se completaram 50 anos sobre o início da guerra colonial francesa na Argélia que, ao longo de oito anos e por entre indizíveis sofrimentos, violências e humilhações, matou centenas de milhares de argelinos e dezenas de milhares de militares franceses, tudo em nome e em consequência da obstinada recusa em reconhecer o inalienável direito à independência do povo da Argélia.

Para que haja alguma memória e justiça e sobretudo para que não se aprisione o imaginário, o projecto, o papel e as responsabilidades dos comunistas apenas e só no que correu mal ou no lado sombrio da história que viveram no século XX, escreva-se que então, naquela França de 1954 em que de início a maioria da opinião pública se sentia ainda maioritariamente vinculada à ideia de que “a Argélia era a França”, só uma grande força política – o Partido Comunista Francês - sustentou em palavras claras e em acções corajosas a sua oposição à guerra e a sua solidariedade com os direitos nacionais do povo argelino.

E, sobre este assunto, só queremos acrescentar mais uma coisa: é que, sendo inquestionáveis as responsabilidades de governantes socialistas franceses – Mendés France, Guy Mollet, François Mitterand – nessa sangrenta guerra colonial, a nós nunca nos passaria pela cabeça responsabilizar o PS português ou os socialistas portugueses por esse cortejo de crimes e infâmias, embora seja isso que eles (e outros sectores políticos) fazem em relação ao PCP e aos comunistas portugueses a propósito de outros dramáticos acontecimentos ocorridos no passado (recente, distante ou mesmo longínquo) a milhares de quilómetros de Portugal.

Mudando para o segundo tema, queremos registar que tenha sido preciso um desabafo de Fernando Lima para que, finalmente, as famosas “agências de comunicação” tenham saído um pouco da sombra, da discrição ou do esquecimento em que, por alguma razão, gostosamente se têm mantido e em que, também por alguma razão parecida, os órgãos de comunicação social as têm deixado ficar.

Mas continua ser pouco porque continua a faltar o mais importante, ou seja que alguém das agências e dos órgãos de comunicação social conte transparentemente como se efectuam as relações entre essas duas entidades, como conseguem as agências os seus “êxitos” expressos em notícias que conseguem fazer publicar na imprensa, com que contrapartidas directas ou indirectas os pagam e como é que tudo isto é compatível com os tão proclamados “critérios jornalísticos” e com a sempre endeusada “autonomia” e “independência” das direcções e das redacções.

Finalmente, aproximando-se a olhos vistos a perspectiva da realização de um referendo sobre a “Constituição europeia” (faltando inteiramente garantir que se trate de coisa séria), merece referência o texto que, sob o título “O plebiscito”, António Barreto publicou no “Público” de domingo passado.

De facto, com a agilidade de pensamento e a vivacidade de escrita que se lhe reconhece (embora nem sempre para o bem), A. Barreto adverte de forma penetrante para que, à escala europeia, “estão a ser concebidos todos os dispositivos imagináveis destinados a tornar inevitável a aprovação” e que “idealizam-se as mais intensas campanhas de manipulação da opinião, disfarçadas de “campanhas de informação”, que têm como único objectivo o de garantir que “a coisa” seja ameaçadora, não tenha alternativa e seja aprovada”.

Mas o que talvez António Barreto não soubesse é que, em 25.9.2004, em intervenção no Parlamento Europeu, o deputado do PS Sérgio Sousa Pinto pediu o máximo empenho da Comissão, do Conselho e do P.E em tudo isso, a pretexto de que “em cada processo nacional de aprovação do texto, em cada país estão em jogo os interesses de outros Estados e os interesses do conjunto dos Estados e os interesses do conjunto dos cidadãos europeus”.

Fracturante até mais não, avisou mesmo que “seria extravagante que a Comissão Europeia que teve um papel decisivo na elaboração do texto constitucional renunciasse agora às suas responsabilidades numa estratégia comum com vista à sua aprovação”.

E, finalmente, procurando ensinar o padre-nosso ao vigário, avançou com a robusta e inesquecível justificação de que aqueles órgãos, por serem supranacionais, o podem fazer “sem se sujeitar a críticas de ingerência num processo democrático interno dos Estados”. E assim ficamos assim a saber que para alguns grandes e modernaços europeístas, os referendos são óptimos desde que haja um rolo compressor que antecipadamente garanta os resultados que pretendem.