Partido Comunista Portugu�s
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sg20060312
Comício do Coliseu do Porto - Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
Domingo, 12 Março 2006

 

No comício do Coliseu do Porto comemorativo do 85º aniversário do PCP, Jerónimo de Sousa acusou o PS de ter assumido, neste primeiro ano de Governo, o legado das políticas de direita, «afinal a mesma política, no essencial, que sucessivos governos têm concretizado em alternância e que sob o manto protector de Cavaco Silva se pretende continuar e aprofundar com a chamada “cooperação estratégica “, essa coabitação à portuguesa onde confluem, numa nova experiência, o “bloco central” político e dos interesses que têm conduzido o país para o desastre». O Secretário-Geral do PCP criticou ainda a proposta do PS de alteração das leis eleitorais para a Assembleia da República e para as autarquias que não tem «o propósito de resolver qualquer problema real de representação política ou de ligação aos eleitores, mas apenas para garantir a perpetuação no poder dos partidos do “bloco central”, solução vendida como sendo um grande serviço prestado à democracia».


Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
(Extracto)

 


Faz por estes dias um ano que o PS/Sócrates tomou a seu cargo o governo do país.

Neste ano que leva de acção governativa o governo do PS assumiu por inteiro o legado das políticas de direita que o governo do PSD/CDS-PP vinha concretizando contra o emprego, os direitos dos trabalhadores e os serviços públicos essenciais ao bem-estar das populações.


Vimos como abriu caminho e concretizou um novo agravamento da injustiça fiscal com o aumento dos impostos indirectos e como se foi esfumando o cumprimento das promessas eleitorais.


Vimos como se impunham e impõem mais sacrifícios para os mesmos de sempre, para os trabalhadores e para o povo, ao mesmo tempo fez e faz vista grossa, se permitem e se concede aos grandes grupos económicos, nomeadamente à banca a fuga ao pagamento dos devidos impostos.

Vimos como se deu o dito por não dito e se passou a fazer uma política contrária à mudança prometida.

Vimos como se degradou o poder de compra dos trabalhadores e do povo com os brutais aumento dos preços dos bens e serviços essenciais e se promoveu uma inaceitável política de contenção salarial que desequilibrou ainda mais a injusta distribuição do rendimento nacional.


Vimos como o governo do PS esteve mais disposto a ouvir os apelos do grande patronato e das suas organizações do que assumir os seus compromissos eleitorais com os trabalhadores, acentuando a ofensiva contra os seus direitos.


Vimos como as mesmas políticas de obsessão pelo défice das finanças públicas conduziram ao agravamento dos problemas do país. Doze meses de governo, não só apenas contra os trabalhadores, mas também contra os micros, pequenos e médios empresários, os reformados, os estudantes e outras camadas da população e que se traduzem num novo agravamento das suas condições de vida.

 

Um ano após a tomada de posse do governo PS/Sócrates o que o país constata é a agudização de todos os problemas nacionais.

Se com os governos do PSD/CDS-PP o desemprego foi continuamente crescendo, com o PS no governo ao fim de um ano o desemprego apresenta a mais alta taxa dos últimos 20 anos. O desemprego em sentido lato, atinge hoje cerca de 600 mil pessoas, isto é, 10,4% da população activa.


Desemprego, em grande parte de longa duração e com os jovens a serem os mais atingidos, com uma taxa de 16,4%, bem como a população com mais habilitações.

Segundo o INE, a população desempregada com o ensino secundário aumentou 38% a com o ensino superior 27%. Só licenciados eram, em Janeiro, 54.100 desempregados.


O país carece de trabalho qualificado, mas o que existe não encontra emprego. Isto revela o carácter estrutural do desemprego e da crise e, na verdade, não se vêm perspectivas com as actuais políticas para alterar e inverter esta realidade.


Se com os governos dos partidos da direita assistimos à contínua destruição do aparelho produtivo nacional e ao agravamento da crise, com o governo do PS, um ano passado e o país não só mantêm uma grave situação de estagnação económica como se assiste a novo agravamento da nossa dependência, com o crescimento acentuado do défice das nossas contas externas.


Não se trata apenas de Portugal continuar um já longo e preocupante caminho de divergência com a média europeia, mas da mais recente evolução evidenciar uma preocupante regressão, com a riqueza do país, por habitante, a cair abaixo dos 70% da média europeia a vinte cinco.


Este é também o resultado das políticas impostas pela ortodoxia monetarista da União Europeia e do seu guardião – o Banco Central Europeu. Este é também o resultado da aplicação cega do Pacto de Estabilidade e Crescimento e de sete anos de adesão à moeda única.

Reconhece-se agora, como no recente estudo do laboratório de economia de Bruegel (Bruxelas), estudo apoiado pelos governos da UE que Portugal tem sido dos países que mais perdeu com a adesão à moeda única e a sua economia altamente penalizada. Levantam-se também, novamente, mais vozes, questionando o impacto na nossa economia do Plano de Estabilidade e a aplicação dos seus critérios de convergência nominal que estrangulam o crescimento económico e consequentemente o emprego.


Volta a ouvir-se face à persistência da crise a necessidade de repensar e reconsiderar as actuais orientações e políticas.

Reconhecem, agora, muitos mais, a nossa razão e o que afinal sempre temos afirmado.

Em relação à moeda única, já não é possível esconder que os países que não entraram estão hoje numa melhor posição e com melhores níveis de desenvolvimento, enquanto Portugal continua a enfrenta uma preocupante crise com uma grave perda de competitividade, nomeadamente das suas exportações.


Situação que não é motivo de reflexão para o PS e para o PSD que repisando o discurso laudatório das vantagens do euro e das políticas monetárias europeias vão assistindo imperturbados ao afundamento do país


Mas são ainda os mesmos monetaristas empedernidos que aos primeiros indícios de uma recuperação da economia europeia se apressam a aumentar as taxas de juro, com graves consequências para a recuperação de países com uma economia estagnada, como é o nosso caso.

Podíamos dizer, camaradas, que Portugal ainda nem sequer começou a levantar voo e já o fundamentalismo neoliberal e monetarista lhe está a cortar as asas.

É por saberem das consequências e impacto profundamente negativos desta realidade na evolução da economia portuguesa que o Banco de Portugal nos vem dizer que a retoma com um crescimento normal só talvez para daqui a dois/três anos.


É para iludir esta preocupante realidade que o governo anda por aí, numa “roda viva”, em iniciativas de “show off” empresarial, a anunciar “vagas de investimento” em cujos resultados nem o seu solidário governador do Banco de Portugal parece acreditar.


Mas em vez do prometido crescimento, o governo do PS, vem mais uma vez colocar nas mãos dos grandes grupos económicos e financeiros, com o novo pacote de privatizações, empresas altamente rentáveis e que são essenciais para a aplicação de uma política de desenvolvimento nacional.

Mais um passo para agudizar a crise estrutural que o país enfrenta e fragilizar a capacidade de resposta do país no combate à crise como mostra a experiência passada.

 

A política de privatizações apenas conduziu à redução da actividade produtiva, ao agravamento dos problemas orçamentais, ao agravamento do desemprego, ao aumento dos preços dos serviços públicos e à diminuição dos direitos dos trabalhadores.


Não é também, certamente, a vender o património público que se garantem finanças públicas saudáveis no futuro. Com este novo pacote de privatizações, anunciado pelo governo do PS, são mais 950 milhões de euros, só de lucros, em cada ano, que o Estado deixa de poder contar para responder às necessidades de desenvolvimento do país.


É esta política de subordinação aos interesses dos grandes grupos económicos que tem levado a uma indecorosa acumulação de capitais e de concentração de riqueza nas mãos de uma pequena minoria que tem hoje o domínio dos instrumentos essenciais de exploração dos trabalhadores e do povo e dos diversos sectores da economia nacional.


Temos dito e é uma escandalosa evidência que todo o país passou a trabalhar para engordar os grandes grupos económicos e financeiros. Anos a fio de crise para os trabalhadores e para o povo, anos de fabulosos e de crescentes lucros para os grandes grupos económicos, particularmente para a banca, cujos lucros dos 4 principais bancos privados atingiram mais de 1,6 mil milhões de euros, em 2005.


Lucros que são o resultado do estrangulamento financeiro de milhares de micro, pequenas e médias empresas e de milhares e milhares de portugueses submetidos às severas comissões bancárias, a altas taxas de juro efectivas, à apropriação de escandalosos dividendos pelas participações no capital nas grandes empresas privatizadas e cujos lucros são o resultado não só de uma maior exploração dos trabalhadores, mas dos elevados preços dos seus serviços que o povo tem que pagar.


Toda a gente vê o carácter predador do grande capital económico e financeiro que nada arrisca e que vive à sombra de sectores protegidos e de mercado garantido, apenas não o vê o governo.

É por isso que é justo e certo dizer que a crise não é para todos!


No plano social, com os últimos governos, do PSD e CDS-PP, assistimos ao mais violento ataque aos direitos dos trabalhadores que se concretizou com a aprovação do novo Código de Trabalho.


Com o governo do PS demarcando-se apenas em palavras da ofensiva da direita e do seu Código que agora resiste a revogar, assistimos a uma brutal ofensiva que, neste primeiro ano de governo, atingiu particularmente os trabalhadores da Administração Pública.


Ofensiva contra os seus salários, as carreiras, às condições de aposentação, ao direito ao emprego e ao trabalho com a criação de novas formas de desvinculação (despedimento), mas também contra o estatuto de trabalhador da Administração Pública com a introdução, em larga escala, do regime de contrato individual de trabalho e da negação do direito à contratação colectiva.

Neste primeiro ano de governo continuou a ofensiva contra as funções sociais do Estado e fez da saúde e da segurança social os alvos privilegiados do seu ataque aos direitos sociais dos trabalhadores e do povo.


Na saúde, esta semana, depois de anos de crescente transferência dos seus custos para os utentes que neste momento têm a seu cargo 30% das despesas de saúde, que representam mais de 100 contos anuais por pessoa, o governo do PS, depois das juras e dos desmentidos quando do debate do Orçamento, vem impor um brutal agravamento de 23% das taxas moderadoras.


Um aumento inadmissível e que põe a claro as verdadeiras intenções do governo em matéria de saúde e que o senhor ministro da saúde sintetizou em recentes declarações, quando afirmou que o actual do Serviço Nacional de Saúde “não é eterno” e que os portugueses têm que se preparar para pagar mais os cuidados de saúde.


Este anúncio antecipado do fim do carácter tendencialmente gratuito do SNS, no curto prazo é, juntamente com as medidas já em curso de privatização dos centros de saúde, de concentração de serviços e meios, uma inaceitável machadada no direito constitucional à saúde de todos os portugueses.


Talvez seja a altura de perguntar se era esta a mudança que o PS prometia aos portugueses.

Mas é também a altura de lhes dizer que se o PS se prepara para promover uma revisão constitucional com o PSD, repetindo de forma agravada, o que fez no passado quando acordou introduzir “ o tendencialmente gratuito” no SNS, que pode contar não só com a nossa firme oposição, mas, estamos convictos, com a luta determinada dos trabalhadores e do povo português.


Na segurança social ao mesmo tempo que diminuem os níveis de protecção, vemos esgrimir de forma sistemática o alarmismo em torno da degradação da situação financeira para fundamentar medidas de redução das despesas através de novas e mais significativas diminuições de direitos e prestações sociais, como o vêm anunciando, nomeadamente em relação ao subsídio de desemprego.


Em vez de se apostar na diversificação das fontes de financiamento do sistema de segurança social, o governo do PS, tal como os governos do PSD/CDS-PP apostam na desresponsabilização do Estado, das entidades patronais e dos contribuintes mais poderosos.

São opções que marcam a natureza de classe das suas políticas e que querem pôr em causa o direito à protecção social dos que vivem do seu trabalho e dos que se reformam em situações de ausência de recursos devidos a doença, desemprego ou devido a invalidez ou velhice.

Mas se o governo como afirma está interessado em garantir no futuro a sustentabilidade da segurança social, tem então a oportunidade de o fazer aprovando as propostas do PCP, em debate na Assembleia da República, no próximo dia 15 que visam garantir a diversificação das fontes de financiamento e a eficácia e eficiência das despesas.

No ensino assistimos neste primeiro ano de governo do PS também a um ataque cerrado contra a escola pública, a gestão democrática, os direitos dos docentes e alunos.

É esta política social anti-democrática e anti-popular que transformou e continua a transformar Portugal no país mais desigual da União Europeia.

Esta é a política de um governo que se diz de esquerda e se apresenta no discurso com preocupações sociais, mas que a direita não desdenharia realizar.

Afinal a mesma política, no essencial, que sucessivos governos têm concretizado em alternância e que sob o manto protector de Cavaco Silva se pretende continuar e aprofundar com a chamada “cooperação estratégica “, essa coabitação à portuguesa onde confluem, numa nova experiência, o “bloco central” político e dos interesses que têm conduzido o país para o desastre.

E se houvesse dúvidas acerca da consonância de objectivos no imediato, entre Cavaco Silva e José Sócrates, o discurso de um e as declarações de outro na tomada de posse presidencial desta semana, elas ficaram desfeitas.

Entretanto o PSD vai afivelando a máscara da oposição fictícia, empolando detalhes e divergências secundárias e aguardando pacientemente que o governo do PS vá adiantando o seu serviço para lhe facilitar o regresso ao poder, retomando o ciclo vicioso das falsas alternativas.

É também por isso que se anuncia como urgente para o presente ano, tal como o PS faz, a alteração das leis eleitorais para a Assembleia da República e para as autarquias. Não com o propósito de resolver qualquer problema real de representação política ou de ligação aos eleitores, mas apenas para garantir a perpetuação no poder dos partidos do “bloco central”, solução vendida como sendo um grande serviço prestado à democracia.


A mesma hipocrisia com a recente Lei da Paridade que o PS apresentou esta semana.

Enquanto do PCP denuncia o penoso agravamento das discriminações e desigualdades que afectam as portuguesas bem patentes, por exemplo, na duplicação do número de desempregadas nestes últimos quatro anos, na precariedade laboral que mais que duplicou entre as mulheres; no facto de hoje uma mulher para trabalho igual ao homem receber em média menos um quarto da remuneração, o PS opta, não por aplicar medidas de combate à discriminação real das mulheres no dia a dia da sua vida, mas por fomentar a ideia de que a discriminação das mulheres está centrada na Assembleia da República e nas autarquias.


No entanto o PS não propõe a demissão dos Governos por estes não cumprirem os 33% de presença de mulheres em altos cargos governativos incluindo nos cargos dirigentes da Administração Pública preenchidos por via de nomeação. Fala apenas da responsabilidade dos partidos que devem por isso ser excluídos de concorrer às eleições por não cumprirem os critérios dos 33% de mulheres nas suas listas.


O que o PS visa não é o necessário reforço da participação política das mulheres nos centros de decisão, mas dar mais um passo na ingerência da vida interna dos partidos impondo por lei o que cada partido deve encarar por vontade própria e por processos de autoregulamentação. O que o PS não explica é como vai garantir a presença de 33% de mulheres com a sua proposta de círculos uninominais, isto é, de candidato único.

Trata-se de facto de mais uma manobra que visa criar a ilusão da igualdade.

Entretanto com estas manobras de diversão o Governo pretende esconder a responsabilidade que assume no agravamento das discriminações e das desigualdades que afectam as mulheres no trabalho, na família, na vida social e política.

Não é o PCP que converge com a direita contra esta paridade. É o PS que converge com a direita na realização de políticas que tornam mais longínqua a participação em igualdade em todas as esferas da vida.