(proposta de lei n.º 287/XII/4.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,
Esta proposta, como mais à frente demonstraremos, vem evidenciar, de facto, a matriz ideológica do Governo e a consagração da doutrina que os senhores defendem, não do Estado regulador mas do Estado desregulador, Sr. Secretário de Estado.
Aquilo que os senhores pretendem fazer com esta proposta é colocar o sector, de norte a sul do País, de pantanas, num quadro de incerteza, de indefinição e de precariedade absoluta, e precariedade não apenas para os trabalhadores mas também para os utentes e para as próprias empresas que estão a operar e têm atividade no setor.
Aliás, importa aqui sublinhar o caráter instrumental dos regimes extraordinários e transitórios na estratégia do Governo para a privatização do sector. Veja-se o caso do transporte fluvial, ou seja, a privatização do transporte na Transtejo e na Soflusa, e na ferrovia, com as linhas suburbanas que os senhores deixam de parte para ir tratando dos negócios, à medida que vão avançando.
Entretanto, assumiu agora o Sr. Secretário de Estado o compromisso de, no prazo de seis meses — presume-me que após a entrada em vigor da lei que os senhores querem aprovar —, negociarem, assumindo os contratos interadministrativos com o poder local.
Mas daqui a seis meses os senhores ainda cá estão? Têm a certeza, Sr. Secretário de Estado? O mandato do Governo chega até lá? Se calhar, não! Importa ter em conta, quanto à própria consulta pública que o senhor mencionou, que não conhecemos os pareceres, porque a Assembleia não os recebeu. A Assembleia não pode acolher reflexões e contributos que o senhor diz que houve mas que ninguém viu. E, como tal, estamos perante uma situação lamentável para a própria transparência e clareza do processo democrático.
Por fim, Sr. Secretário de Estado, para terminar, faço uma pergunta muito concreto sobre o papel do sector do táxi neste regime. Afinal, em que é que ficamos? É que esta proposta pretende enquadrar atividades que são integrantes do serviço de transporte, como é o cado do chamado transporte flexível, num diploma em que o sector do táxi é, pura e simplesmente, excluído. É excluído da proposta, é excluído do regime.
Portanto, queremos saber qual é, afinal, o papel que os senhores atribuem ao sector do táxi neste regime, do qual acabam por excluí-lo.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Este diploma podia ser mais apropriadamente designado como o regime jurídico do desmantelamento da privatização e do abandono do serviço público do transporte de passageiros.
Praticamente nada escapa. As implicações desta proposta incidem sobre as atuais empresas públicas de transportes, sobre o conjunto dos operadores privados de transportes, sobre as autarquias locais, sobre os utentes e os trabalhadores das atuais empresas de transportes, das atuais autoridades metropolitanas de transportes, etc., etc.
Ora, perante uma operação desta envergadura, tudo faria crer que teríamos uma verdadeira discussão pública, digna desse nome, mas mais uma vez aconteceu o contrário. E, face à anterior pseudodiscussão pública, de que não há relatório nem há informações concretas, o Governo colocou alterações profundas em relação ao anteriormente apresentado e matérias novas, de que é exemplo a proposta de extinção das Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e Porto, aqui, sim, sem discussão pública e sem sequer ouvir as entidades envolvidas.
O Governo quer impor um caminho candidamente batizado de «concorrência regulada», mas que, na verdade, significa a entrega da exploração do serviço público de transporte aos grupos económicos. É uma opção errada, que já causou enormes prejuízos aos utentes, ao Estado e aos trabalhadores. É a opção das grandes multinacionais europeias que almejam gerir todos os sistemas na Europa e assim cobrar avultadas rendas aos povos.
O Governo pretende passar a autoridade para os municípios e para as comunidades intermunicipais, bem como as responsabilidades de financiamento, quer das compensações por serviço público, quer das despesas de investimento, quer das despesas com as autoridades de transportes.
Primeiro, desarticula e deixa em rutura os serviços ao nível do IMT, asfixia as autarquias, impõe condições insustentáveis para o próprio funcionamento das estruturas do Estado (central e local) e depois sacode as responsabilidades para as câmaras municipais e comunidades intermunicipais e salve-se quem puder!
É a total pulverização da autoridade do Estado e da Administração Pública para o sector. É a definição de centenas de autoridades de transportes por todo o País, na esmagadora maioria dos casos sem a base técnica nem os meios nem a igualdade de condições na relação com os interesses privados e os grupos económicos.
A regra geral é a transferência para as autarquias da responsabilidade pelo financiamento, com exceção das infraestruturas ferroviárias e de apoios pontuais do Estado ligados a alguns aspetos dos serviços mínimos. Mas, ao aprovar este níveis mínimos de serviço, passa para os municípios a responsabilidade de os garantir e depois cria o quadro de exceções, resultando tudo isto, afinal, em pouco mais do que um simples quadro de referência.
O Governo aponta para a realização de acordos de transferência das responsabilidades atuais do Estado para as autarquias como novas autoridades de transporte no prazo de seis meses, no que respeita aos operadores internos, ou seja, às atuais empresas públicas.
Sr. Secretário de Estado, volto a dizer que o Governo não tem seis meses de mandato. E, perante este facto singelo, o que se conclui é que, neste fim de mandato, e com um regime de gestão corrente à vista, estão a tentar impor um quadro impraticável de indefinição de uma lei que entra em vigor primeiro e se regulamenta depois, revogando-se pelo caminho, liminarmente, legislação estruturante para o sector — o RTA (Regulamento do Transporte Automóvel), o regime do serviço expresso, o tarifário. E quem vier atrás que feche a porta!
Esta proposta torna provisórias todas as atuais concessões rodoviárias, apontando para a sua extinção até 31de Dezembro de 2015, podendo ser prorrogadas até 31 de dezembro de 2019 mediante autorização e aponta para regimes concursais a posteriori. Isto significa uma precariedade total no setor, com dois níveis de instabilidade: para os trabalhadores e para as empresas no seu conjunto.
De resto, este diploma contradiz o que está em curso no Porto e o que está previsto para Lisboa. Vai ser anulado o concurso do Porto? Ou a lei só vale para depois de feita a privatização para transferir para os municípios o poder de pagar os custos? É que reparemos no processo do Porto, em que o caderno de encargos cria obrigações superiores a 1000 milhões de euros às empresas públicas Metro do Porto e STCP. Se estas passarem para a alçada dos municípios, serão elas quem vão pagar a fatura.
Esta proposta coloca o setor do táxi numa incerteza ainda maior. Na teoria, o Governo evolui de uma visão do transporte público dividido em duas categorias (regular e ocasional) para uma nova divisão em três, acrescentando regular, ocasional e flexível. Mas, na prática, ao excluir o táxi do âmbito deste regime, dá mais um passo no afastamento do setor do táxi do sistema de transporte público. Colocámos esta questão neste debate, mas o Sr. Secretário de Estado nem uma palavra teve para responder, o que é, de resto, bem revelador da sua atitude.
Srs. Membros do Governo, para pior já basta assim. O melhor que o Governo pode fazer, e ainda vai a tempo, é retirar esta proposta; o melhor que a Assembleia pode fazer é rejeitá-la.