Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Condições de trabalho dos trabalhadores que prestam serviços transfronteiriços no sector ferroviário e rodoviário

Regula certos aspectos das condições de trabalho dos trabalhadores que prestam serviços transfronteiriços no sector ferroviário, transpondo a Directiva 2005/47/CE do Conselho, de 18 de Julho de 2005
Estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de
condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, transpondo a Directiva 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, alterada pela Directiva 2009/5/CE da Comissão, de 30

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Secretário de Estado da Segurança Social:
As duas propostas de lei que o Governo nos apresenta são exemplos concretos de como matérias de grande importância, factores de justiça e de defesa de direitos, podem ser tratadas de uma forma perversa e injusta e transformadas em leis que servem para deixar passar, ou até acentuar, a exploração sobre quem trabalha.
Senão vejamos: em relação aos serviços transfronteiriços do sector ferroviário, o Governo propõe um diploma que consagra a contabilização anual — sublinho, anual — dos períodos de descanso face à jornada de trabalho. E chega a admitir que o descanso semanal possa ser inferior ao que hoje é praticado, que é de 48 horas, com mais um repouso associado de 12 horas. É um retrocesso inaceitável, quando a regra actual é de que o descanso semanal é gozado após a jornada semanal, e isso é fruto da contratação colectiva, que foi uma conquista dos trabalhadores e da sua luta de muitas dezenas de anos no nosso país.
E o que tem que aplicar-se é o princípio do tratamento mais favorável e não o retrocesso social, Srs. Deputados.
Mas há outras malfeitorias: por exemplo, a redução do tempo de refeição do trabalhador — o Governo acha, talvez, que actualmente 45 minutos serão demasiado; ou ainda o «pé na porta» a abrir caminho ao aumento da jornada de trabalho por via da alteração do regime dos tempos de
repouso.
O Governo, de uma penada, coloca mais uma vez a legislação ao serviço do capital contra os trabalhadores.
Ora, aqui está, para quem tivesse dúvidas, a demonstração evidente dos resultados das políticas
liberalizadoras dos «pacotes» ferroviários e quejandos: o ataque aos direitos, a degradação das condições de trabalho e, por essa via, da própria qualidade e da segurança do serviço prestado às populações e à economia.
E a mesma lógica, a mesma marca de classe é evidenciada na proposta do Governo em relação aos tempos de condução, às pausas e aos tempos de repouso, bem como ao controlo dos tacógrafos no transporte rodoviário.
O Governo chega ao ponto de definir um quadro sancionatório para infracções nos tempos de condução e de repouso, que é precisamente igual para a empresa e para o trabalhador. Os montantes são os mesmos, como se fosse tudo a mesma coisa! E escusam o Governo e o PS de justificar estas opções com a transposição de directivas: é que as directivas não têm as «costas assim tão largas», Srs. Deputados! E os senhores tem a obrigação de saber, como nós sabemos, o que acontece neste sector, com a prática, que campeia, de pagamentos ao quilómetro, ao frete e à viagem!
Aliás, se não o sabem, fiquem a saber que há muitos e muitos motoristas que recebem salários-base inferiores à componente das ajudas de custo. Foram vários os trabalhadores que nos
mostraram isso mesmo nos seus recibos de vencimento.
A situação que se abate sobre inúmeros trabalhadores neste sector é a de chantagem e pressão
permanentes!
O argumento que eles enfrentam é a ameaça do costume: «a porta da rua é a serventia da casa» — e, assim, aparece, agora, o Governo, com esta proposta, a definir um quadro contra-ordenacional, em que a empresa pode defender-se, formalmente, ficando a culpa do lado do trabalhador, se ele nada puder fazer para provar a chantagem a que tenha sido sujeito.
Mas vejam, Srs. Deputados, a situação espantosa em que este quadro legal nos coloca: a empresa transportadora pode provocar uma situação em que os tempos de condução e de repouso sejam totalmente desrespeitados, resultando num desgaste e numa fadiga brutais para o motorista. A fadiga mata, o acidente pode acontecer, o erro humano pode causar mortes na estrada. Qual é o resultado? A empresa pode incorrer numa contra-ordenação e pagar uma coima por violação dos tempos de repouso, e o trabalhador pode ser condenado a pena de prisão por crime de perigo!
É uma verdadeira iniquidade, que não podemos aceitar — aí tem, Sr. Secretário de Estado, a proposta «de avanço» que aqui nos trouxe!
É preciso que a memória não seja curta, Srs. Deputados: há três anos, num debate de alteração ao Código Penal, o PCP propôs a criminalização da organização do trabalho, imposta pelas empresas aos motoristas, que ponha em causa a segurança no transporte rodoviário.
É isso que põe em causa a segurança nas nossas estradas, e essa não é uma questão de ordenação laboral; é uma atitude criminosa, e não por parte dos trabalhadores, que são sempre a parte mais fraca!
A proposta do PCP foi rejeitada pelo PS, em 2007, mas esta é uma ideia que não perdeu actualidade.
Esta suposta neutralidade do PS, mais uma vez, significa apoiar aqueles que «têm a faca e o queijo na mão». Não é desse lado que estamos; nós estamos do lado de quem trabalha, interviremos empenhadamente neste processo legislativo, contra estas malfeitorias e continuaremos, com os trabalhadores, na luta pela justiça e pelo trabalho com direitos!

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