Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Debate com o Primeiro-Ministro sobre as orientações da política económica e das finanças públicas

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
O senhor veio aqui valorizar a execução do QREN, embora, é preciso lembrá-lo, num quadro que se perspectiva, para 2011, de recessão e de aumento do desemprego — e, como sabe, esta não é uma estatística do PCP.
Poderá dizer-nos «do mal o menos, porque, se não fosse esta execução do QREN, as coisas poderiam ser piores.» Mas a questão de fundo é que isto continua tudo por resolver. Todos falam da necessidade do crescimento económico — e o Sr. Primeiro-Ministro veio falar da importância estratégica das exportações.
Estamos de acordo com o aumento das exportações. E o mercado interno, Sr. Primeiro-Ministro? E as micro, pequenas e médias empresas, tão badaladas, em alturas de campanhas eleitorais, e rapidamente esquecidas, depois, numa visão estratégica do Governo, designadamente em relação à agricultura. O Sr. Primeiro-Ministro referiu aqui, de uma forma lapidar, a sua concepção: falou das empresas agro-alimentares, mas não falou das pequenas e médias explorações agrícolas, das pequenas e médias explorações familiares, que são também
fundamentais para combater os défices, designadamente o défice agro-alimentar.
O Sr. Primeiro-Ministro suscitou na sua intervenção, particularmente na parte final e também em resposta ao PSD, a questão da criação de mais emprego. A este propósito lembrou, e bem, a proposta trauliteira do PSD quanto à revisão constitucional, ao artigo sobre protecção nos
despedimentos, e mostrou aqui uma divergência de fundo.
Só que, depois, em relação a estas alterações à legislação laboral que estão em curso, o Sr. Primeiro-Ministro usou exactamente os mesmos termos, a mesma argumentação que o PSD, há seis meses, usou em relação a esta matéria.
Sr. Primeiro-Ministro, sim ou não, pretendem, de facto, desregulamentar, flexibilizar os despedimentos? Defende, ou não, esta ideia do «embaratecimento» dos despedimentos? Sim, ou não, vão ser usadas as verbas da segurança social para, designadamente, colocar trabalhadores a custo zero nas empresas?
E quando faz a comparação com outras legislações laborais (designadamente a Sr.ª Ministra do Trabalho que o faz em relação à legislação espanhola), porque é que este Governo nunca compara com os salários de outros países? Porque é que o pior que vem de fora é para aplicar e aquilo que é melhor é sempre esquecido?!
Diga lá, Sr. Primeiro-Ministro!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
De facto, ao fim de muitos anos de participação nesta Assembleia da República, nomeadamente nos trabalhos da Constituinte, nunca pensei algum dia ouvir um responsável do PS fazer a afirmação que fez em relação aos direitos dos trabalhadores.
O senhor diz que não sabemos, mas o senhor é que não sabe que esta questão é secular. Sempre, mas sempre, no quadro da empresa, se procurou alterar a relação de forças a favor do patronato. E estas medidas vão, de facto, alterar, em desfavor dos trabalhadores, aquilo que é objectivo claro das entidades patronais.
Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de colocar uma segunda questão para a qual chamo a atenção, porque penso ser importante. Muitas vezes, coisas aparentemente pequenas têm uma grande importância na nossa vida colectiva.
O Governo resolveu retirar a dezenas de milhares de portugueses a possibilidade de se deslocarem a uma consulta ou a um tratamento hospitalar.
São pessoas doentes, muitas delas com dificuldades motoras, amputados, como acontece com muitos doentes diabéticos, pessoas idosas, muitas delas obrigadas a ter de fazer deslocações porque não têm acesso a um médico de família, da especialidade ou a um serviço de
recuperação na região onde residem.
São pessoas com rendimentos muito baixos. Mesmo considerando que os seus rendimentos estão acima do salário mínimo, são claramente insuficientes para fazerem face a despesas básicas a que qualquer ser humano é obrigado, quanto mais a pagarem um táxi, ou mesmo um transporte público, para fazerem médias ou grandes deslocações, uma ou mais vezes por semana.
Esta medida já está a ter consequências terríveis, designadamente para as associações de bombeiros, mas, fundamentalmente, para os utentes, para os doentes.
A Sr.ª Ministra da Saúde fala de abusos. Ora lá voltamos sempre ao mesmo: lembro-me que, na fábrica, quando um trabalhador tomava uma medida incorrecta, o patrão aproveitava para aplicar a medida a todos.
Assim parece ser a Sr.ª Ministra da Saúde: porque há este ou aquele abuso, corta a todos. É uma posição desumana, que nada tem a ver com Estado social com que estão sempre a «encher a boca».
Perante tamanha insensibilidade social, e com as consequências devastadoras que agora começam a ser conhecidas, está ou não o Sr. Primeiro-Ministro disposto a anular este despacho inaceitável?
Não faça essa cara, Sr. Primeiro-Ministro! As pessoas que estão a sentir «na pele» esta medida olham para si, com essa insensibilidade em relação à vida das pessoas, e nem imagina o que lhe chamam!
(…)
Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, solicito à Mesa que mande distribuir, designadamente ao Governo e às restantes bancadas parlamentares, uma cópia de exemplos concretos, porque entre a verdade do Sr. Primeiro-Ministro e a nossa verdade os factos é que devem decidir.
Neste sentido, porque há muitos exemplos de doentes com credenciais recusadas e que foram aqui referidos pelo Sr. Primeiro-Ministro como excepção, peço, Sr. Presidente, que mande distribuir estes exemplos ao Sr. Primeiro-Ministro, ao Governo e às restantes bancadas parlamentares.

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