Apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, que procede à décima alteração ao Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril
(apreciação parlamentar n.º 56/XI/1ª)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A política do Partido Socialista no Governo e no Ministério da Educação continua a estar assente, em grande medida, na desvalorização dos recursos humanos do sistema educativo. Assim é pela forma como o Governo cortou a eito nos direitos dos professores, forçando a imposição de soluções que visam, no essencial, a desqualificação da escola pública, a sua empresarialização por via da desvalorização do trabalho docente e da instrumentalização e
governamentalização das escolas.
No entanto, os professores portugueses, ao lado das suas estruturas sindicais, não vergaram nem se renderam perante essa ofensiva e conduziram um processo de luta combativo e persistente, que contribuiu decisivamente para a derrota das primeiras propostas do governo.
Dessas propostas, destacamos agora as seguintes: a divisão da carreira em duas; a imposição de um modelo de avaliação profundamente burocrático, administrativo, injusto e orientado
para a limitação da progressão na carreira; e a imposição de uma prova de ingresso na carreira docente, entre muitas outras injustiças da lavra deste Governo e do anterior governo de Sócrates e do PS, que compunham uma linha de ataque não apenas contra os professores mas também contra toda a escola pública, fragilizando a qualidade do ensino, prejudicando os estudantes, os pais, as comunidades e o País.
No entanto, a força com que essa luta dos professores se afirmou e os resultados eleitorais que retiraram ao PS a maioria absoluta vieram trazer um novo contexto para a negociação, um contexto em que o PS foi obrigado a desistir da linha de arrogância e prepotência para ser chamado à mesa das negociações de forma mais séria. Mas eis também que o PSD, na primeira oportunidade, trai os compromissos assumidos com os professores, dando a mão ao Governo.
E eis agora que o Governo do PS anuncia que tudo aquilo com que se comprometeu no acordo com os professores e com as suas estruturas sindicais fica, afinal, suspenso por via das medidas agora tomadas contra a função pública, nomeadamente de desvalorização, de não contratação
de novos professores e de não progressão nas carreiras. Portanto, a parte do acordo que era compromisso do Governo — a outra face da moeda, perante os compromissos dos professores — fica suspensa até novas medidas por parte do Governo ou até que a luta dos professores consiga desbloquear isso.
Mas há ainda injustiças que residem no próprio documento cuja apreciação agora fazemos: as quotas no sistema de avaliação; a designação do professor relator, que devia corresponder a uma eleição, como o PCP vai propor; a não contagem de todo o tempo de serviço e o injusto reposicionamento na carreira que daí decorre; a manutenção das regras e dos critérios injustos para a elaboração dos horários de trabalho, sendo que defendemos que a adaptação dessas regras deve ser feita tendo em conta a realidade e a capacidade dos professores, clarificando a componente lectiva e não lectiva; a prova de ingresso na carreira — defendemos a responsabilização das instituições de ensino superior e do Ministério, que reconhece e
homologa esses cursos, e não a responsabilização dos professores pelas falhas do sistema.
Este ataque dirigido aos professores — e agora combatido também pelo Grupo Parlamentar do PCP — é parte de um ataque mais vasto dirigido a todos os trabalhadores, o qual não passará. Certamente, contamos com todas as críticas que até agora foram feitas a este estatuto para viabilizar as propostas do PCP na apreciação parlamentar.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Falou-se muito, durante este debate, do acordo entre as estruturas sindicais e o Governo.
A primeira nota sobre esse acordo é que ele não abrange todas as matérias que foram alvo quer da reivindicação sindical quer dos protestos da bancada do PCP e até de outras bancadas desta Assembleia.
Portanto, independentemente da abrangência e da vastidão desse acordo, há sempre espaço para que esta Assembleia intervenha, colmatando outros aspectos que ficaram de fora do acordo.
Mas todo este discurso em torno deste acordo é ainda mais grave — da parte do Partido Socialista, particularmente, e do Governo — quando é usado para combater os argumentos que são apresentados contra este Estatuto da Carreira Docente, esquecendo aqui que os pressupostos de que o Governo partiu para firmar este acordo com os sindicatos, neste momento, já não existem.
Quanto à progressão na carreira, dizia-se: «ninguém ficará impedido de progredir na carreira». Não há progressões na carreira, tal como acabou de ser apresentado nas novas medidas de contenção do Governo.
Em relação à contratação dos professores contratados, não há novas contratações! Não havendo novas contratações, o que vai dizer o Governo aos milhares e milhares de professores, ainda mais explorados que os restantes trabalhadores do sistema educativo, que andam de escola em escola, contratados, sem saber o que será o seu futuro, como será o seu próximo ano lectivo?! O que vai agora o Governo dizer da sua parte do acordo que acabou de deitar por terra, através também destas medidas que são impostas a toda a função pública?!
Uma última nota que lamentavelmente podemos tirar deste debate e que esperemos que não se venha a verificar na Comissão, nos trabalhos de discussão das propostas apresentadas pelo PCP, é que enquanto o PS tinha a maioria absoluta, na anterior legislatura, o PSD e o CDS não hesitavam em se afirmar do lado dos professores nem em combater veementemente a política do Partido Socialista. Tinham coragem para a afrontar, ou assim parecia. Curiosamente, agora que o PS já não tem a maioria absoluta, agora que é possível resolver, é possível unir em torno de um conjunto de propostas objectivas que eliminam as diversas questões e os diversos impedimentos que são impostos à carreira docente, agora já há meias palavras, já se dá a mão
ao Governo para que tudo fique precisamente como está.
Quando não se podia fazer nada para que o PS voltasse atrás, esses partidos não hesitavam em se afirmar do lado dos professores. Agora que, de facto, podiam fazer a diferença, há palavras dúbias, difusas, para que tudo fique exactamente como o quê? Como antes, como o PS quer.