Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Revoga o actual modelo de avaliação de desempenho docente e inicia a negociação sindical para um novo modelo de avaliação orientado para a melhoria da qualidade do ensino

(projecto de lei n.º 571/XI/2.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Antes de mais, é preciso deixar bem claro que hoje em dia não existe um processo de avaliação de desempenho nas escolas. Existe um processo de achincalhamento, um processo de amesquinhamento do trabalho dos professores, que se traduz numa roda vida de burocracias, de arbitrariedades, de subjectividades e que provoca um clima de desconfiança virando professores contra professores nas escolas, deteriorando o ambiente, deteriorando a boa convivência entre os professores e, obviamente, sacrificando também a qualidade do ensino ministrado por esses mesmos professores. Portanto, hoje não existe avaliação de desempenho docente e julgamos ser importante clarificar essa confusão.
Além do mais, o processo que hoje é imposto aos professores nas escolas pelo Governo não produz efeitos de acordo com as imposições que o próprio Governo, através do Orçamento do Estado, com a mão do PSD a apoiar, fez com que vigorassem em Portugal, nomeadamente no que toca às limitações ou impedimentos de progressão na carreira, de valorização salarial, da realização de concursos e por aí fora, tendo em conta todas as limitações que este Orçamento do Estado e a acumulação de PEC atrás de PEC vêm provocando sobre a função pública.
Neste momento, discutimos projectos de lei — o PCP apresenta um deles — que visam a revogação imediata do Decreto Regulamentar n.º 2/2010, que prevê o normativo que regula esse processo a que o Governo insistentemente vem chamando avaliação de professores.
É urgente criar um espaço que permita a negociação de um novo modelo, um modelo orientado para a melhoria da qualidade do sistema e não para a punição, não para o amesquinhamento da profissão docente e não para a limitação da progressão na carreira.
Por isso mesmo, só pode ser negociado com liberdade, com espaço para respirar se não existir sempre sobre os professores e sobre as escolas a pressão de um modelo que continua a impor a roda vida de burocracias a que continuamos a assistir.
Suspender ou, melhor, revogar o actual Decreto, criar espaço para negociar foi o que levou o PCP, hoje mesmo, a propor a todos os grupos parlamentares da Assembleia da República um texto que substitui os diplomas apresentados pelo PCP e pelo PSD, avocando para este debate a discussão na especialidade e a votação final global, para que possa sair daqui hoje — tendo também em conta quão apertados são os prazos para o trabalho desta Assembleia no presente momento — uma decisão que não dê espaço para qualquer tipo de manobra, seja por parte do PS, seja por parte do Governo, no sentido de não entrar em vigor a decisão que a Assembleia da República hoje tomará.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Esta Legislatura iniciou-se precisamente com este tema, num agendamento do PCP, para a suspensão da avaliação, e termina curiosamente com este tema, com uma inversão da posição do PSD, que, alertado, provavelmente agora, para este problema, decidiu alterar a sua posição. Saudamos este facto, mas chegou tarde, pois poderíamos ter evitado muitos problemas nas escolas, se isso tivesse acontecido antes.
Ainda assim, só temos a saudar a alteração de posição, porque é razoável e vai no sentido de dar resposta àquilo que as escolas, de facto, precisam.
Mas, em Janeiro, também houve um debate sobre este tema e também proposto pelo PCP. Portanto, este tema foi quase transversal a esta Legislatura.
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, quanto à tranquilidade nas escolas, as centenas e centenas de posições comuns de professores, de sindicatos, de agrupamentos de escolas, de órgãos de gestão e de grupos inteiros de recrutamento de professores são a estabilidade, a tranquilidade? Quando nos escrevem ou enviam para aqui, para todos os grupos parlamentares, e-mails — e estou certo de que o PS, se ainda se der ao trabalho de abrir e-mails de professores, verificará o conteúdo dos mesmos —, o que eles saúdam, Sr. Ministro, é precisamente a posição coerente dos grupos parlamentares, que, como PCP, se mantiveram, desde o início, ao lado da luta dos professores contra isto a que o Governo chama «avaliação» e que nada tem de avaliação, porque não avalia, não melhora e não dá os instrumentos para que a qualidade do ensino progrida. Bem pelo contrário, criou nas escolas um clima de absoluta paralisação, com custos emocionais, pessoais, sociais e pedagógicos, quer para os professores quer para as comunidades escolares.
Sobre a incoerência do PSD, julgo que as posições falarão por si. Cada partido assume as responsabilidades das suas posições.
O que julgo importante relevar é o seguinte: se, hoje, há condições nesta Assembleia para fazer revogar este regime de avaliação ou de avaliação fingida, não é só porque há uma inversão deste grupo ou porque o PCP propõe ou deixa de propor, mas também porque a luta dos professores não deixou de colocar em cima da mesa a urgência e a premência de corrigir este problema e este conflito nas escolas portuguesas.
É só por isso que, hoje, a Assembleia da República tem condições para estar, com confiança, a revogar um diploma, obedecendo àquilo que é a reivindicação consistente e persistente dos próprios professores e das suas organizações sindicais.

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