Uma saudação a todos os presentes, mas permitam-me uma referência particular às Edições Avante! pelo empenhado, competente e rigoroso trabalho que tem vindo a desenvolver em torno de temas centrais que atravessam a realidade nacional, fixando também em forma de livro, visões libertas do espartilho neoliberal e de afirmação da ruptura e alternativa face à política de direita.
É esse o caso do livro que hoje apresentamos sobre o processo das privatizações que marcou as últimas décadas no nosso País, pela mão de PSD, CDS e PS, e hoje também defendidas por Chega e Iniciativa Liberal.
O facto de estarmos hoje perante uma política cujo apoio está para lá dos partidos que compõem o Governo, uma política que está com pressa e apostada na degradação e privatização de áreas como a saúde, a educação ou a segurança social, na renovação e na abertura de novas Parcerias Público-Privadas, torna este livro ainda mais oportuno.
Este livro não só é oportuno como é um importante contributo para que não se escondam, como querem alguns, as consequências do desastroso e criminoso processo de privatizações.
Não vamos permitir que se esconda o que as privatizações representaram de perda de soberania, de transferência para as mãos do capital estrangeiro de alavancas fundamentais da economia nacional, de perda de receitas para o Estado e para o País, de despedimentos e degradação dos direitos dos trabalhadores, de predação das micro, pequenas e médias empresas, de agravamento das desigualdades territoriais, de atraso no desenvolvimento científico e tecnológico, de aumento dos preços de bens e serviços essenciais, de maior dependência face ao estrangeiro, a corrupção, as negociatas e as leis feitas à medida.
Não vamos permitir que se iluda a brutal submissão do poder político ao poder económico e o ataque ao próprio regime democrático que cresce à medida que cresce o poder dos grupos económicos, também ele resultante das privatizações.
Não vamos permitir que crimes económicos com profundas consequências sociais sejam escondidos, ou pior que sejam apresentados como positivos para os trabalhadores, para o povo e o País.
Depois das possibilidades abertas com a Revolução de Abril, em que as nacionalizações democráticas transformaram de forma substantiva as possibilidades de desenvolvimento nacional, as privatizações emergiram como um dos principais instrumentos do processo contra-revolucionário em confronto com os interesses nacionais.
Se as nacionalizações permitiram que, depois do 25 de Abril, a electricidade e as telecomunicações chegassem a todo o País, que se consolidasse uma resposta rodoviária a todo o território nacional, que se desenvolvessem iniciativas ainda hoje pioneiras no plano mundial como a rede multibanco ou a Via Verde, só para referir alguns exemplos, as privatizações constituíram um bloqueio ao desenvolvimento e um factor de aprisionamento e submissão do País a interesses que não são seus.
Desígnio de sempre de sucessivos governos, a que se junta a própria intervenção da União Europeia e as suas políticas de favorecimento das grandes transnacionais, numa acção conjugada para impor a liberalização de sectores, o condicionamento das empresas públicas e a promoção das privatizações como as que se concretizaram durante o pacto de agressão da troika.
Em nenhum momento os partidos da política de direita fizeram qualquer tentativa para impedir tal processo, pelo contrário assumiram de corpo inteiro esse mesmo caderno de encargos ao serviço dos monopólios e do grande capital.
Um processo que se expressou em praticamente todas as áreas e que levou a que, aliado a outras desastrosas opções, estejamos hoje perante um País preso por arames.
Olhemos para os incêndios que têm assolado o território nacional. Ora, se a Revolução portuguesa deu um gigantesco impulso ao desenvolvimento do Interior, com avanços muito significativos e positivos na electricidade, nos esgotos, na água, na habitação, nos transportes, na educação, nas farmácias, centros de saúde e hospitais, avanços que são inseparáveis das nacionalizações ou da criação do Poder Local Democrático, com a progressiva liberalização a partir dos anos 90 e as privatizações que a acompanharam, impuseram-se recuos que são hoje evidentes e com consequências desastrosas.
A liberalização afastou o investimento do Interior e concentrou-o no Litoral, afastou o investimento das aldeias e concentrou-o nas sedes de concelho.
Fecham-se multibancos e agências bancárias, escolas e o posto de saúde, estações de comboios e centenas de quilómetros de caminho de ferro, posto de correios e estruturas da Administração Central como as relacionadas com a agricultura ou as florestas.
As comunicações funcionam mal, o autocarro deixou de chegar a muitas aldeias, o táxi desaparece, acaba a mercearia e até o café.
O País fica mais frágil.
Os incêndios podem ser desligados deste processo de liberalização económica que conduz à desertificação e abandono do Interior?
Não podem.
Os incêndios podem ser desligados da acção premeditada de sucessivos governos de corte nas estruturas do Estado, de boicote à acção das empresas públicas, de privatização de sectores estratégicos?
Não, não podem.
Assim como não podem estar desligados de opções políticas ao serviço dos grandes interesses.
Veja-se o sector das celuloses, um dos que foi nacionalizado e com um enorme sucesso económico, criando um sector de ponta à escala mundial.
Uma nacionalização que teve como uma das grandes preocupações o papel estruturante que essa indústria tinha na floresta nacional, onde era o maior proprietário de terras e onde é o maior consumidor dos recursos florestais.
O seu carácter público destinava-se exactamente a que essas empresas desempenhassem um papel fundamental e positivo no ordenamento do território e da floresta, agindo não apenas movidas pelo objectivo do lucro próprio, mas ponderando toda a riqueza sustentada que o sector das florestas pode criar ao País.
Com a oferta do sector a uma só família daquelas que se acham donas disto tudo, o Estado deu uma ajuda à reconstrução dos privilégios dessa família, mas abdicou de instrumentos que lhe fazem muita falta e com os prejuízos estão hoje à vista.
Hoje, quando olhamos para a floresta e para os problemas que a atingem, é impossível não ver a acção destas grandes empresas nas mãos dos grupos económicos privados, que determinam e impõem o preço da madeira, apropriam-se da maioria dos apoios públicos ao sector florestal, impõem a monocultura seja do eucalipto, seja do pinheiro, e fazem com que milhares de pequenos produtores florestais abandonem as suas pequenas propriedades, com as consequências que todos sabemos.
E ainda sobre os incêndios, veja-se a novela dos meios aéreos que o Estado tem optado por não ter, preferindo subcontratar a cada ano.
Só desde o início de 2024, o País já gastou, dos recursos de todos nós, 338 milhões de euros em subcontratações de meios aéreos de combate a incêndios.
Recursos públicos para financiar grupos económicos privados em vez de criar as respostas operacionais que o País precisa e pode ter de forma permanente.
É esta a lógica que se aplica nos meios aéreos mas também em outras áreas como a saúde, educação, transportes e tantos outros sectores.
Uma opção em que o barato sai caro, em que não se resolvem os problemas mas alimentam-se grandes negócios.
E não deixa de ser curioso que os mesmos que estão sempre a reclamar por um Estado mínimo sempre que se trata de responder às necessidades do nosso povo, são os mesmos capitalistas que reclamam para si mais e mais recursos, um Estado máximo ao serviço dos seus interesses.
O problema do País não é haver cada vez mais Estado, o problema do País é haver um Estado que, por opção de sucessivos governos, tem cada vez menos meios, está cada cada vez mais fragilizado e capturado pelos interesses dos grupos económicos e multinacionais.
Ponham os olhos no que está a acontecer em Portugal.
O País está a arder não é porque tem estruturas públicas a mais, não é porque tem planeamento a mais, não é porque tenha investimento público a mais, o País arde porque a regra de ouro tem sido cortar nos serviços públicos, liberalizar e privatizar sectores estratégicos, servir os grandes interesses e negociatas.
Um outro exemplo de actualidade deste livro é o processo em curso da quarta tentativa de privatização da TAP.
Há 30 anos que ouvimos dizer que a TAP acaba se não for privatizada. Há 30 anos!
A falácia é tão grande que nesses 30 anos a TAP foi privatizada duas vezes e aí sim, por duas vezes ia acabando.
Em 1998 foi vendida à Swissair que abriu falência antes de receber a transmissão da TAP, e só por isso a TAP não acabou nesse momento, mas teve de suportar cerca de 250 milhões de euros de prejuízos com essa aventura.
E em 2015 foi vendida a David Neeleman, que saiu da empresa quando a pandemia colocou os aviões no chão e o sector entrou em crise em todo o mundo, e ainda hoje não explicaram ao povo português porque o indemnizaram.
Aliás, como já denunciámos tanta e tanta vez, a TAP foi comprada com o dinheiro da própria TAP.
Um assalto aos recursos nacionais que sendo um escândalo não foi propriamente uma inovação nem tão pouco um rasgo de criatividade na arte das golpadas.
Champalimaud já o tinha feito quando comprou a seguradora Mundial Confiança e o Banco Pinto e Sotto Mayor com o dinheiro deste último, dinheiro oferecido secretamente pelo Estado.
Tentam convencer-nos que a TAP é um buraco sem fundo, mas é essa mesma TAP a que muitos querem pôr a mão.
Da nossa parte reafirmamos o compromisso de tudo fazer para interromper mais este crime económico.
Ao longo das últimas décadas a política de privatizações só avançou na base da ilusão, do engano, da mentira.
Este livro fala-nos da arma preferida das privatizações – a mentira.
A mentira de que as privatizações iriam trazer preços mais baratos, de que iriam fortalecer as empresas e a economia nacional, de que iriam projectar o desenvolvimento do País e diminuir o endividamento público, de que possibilitaria a internacionalização da economia portuguesa.
Mentiras que a vida se encarrega de desmentir e que ninguém se atreve a questionar.
Mentiras, ilusões, areia para os olhos, opções desastrosas, um processo de privatizações que urge reverter.
Sabemos bem ao que vem este Governo, que funciona como uma agência de negócios para o grande capital e cuja política é suportada pelo Chega e a IL, e viabilizada pelo PS.
E isso determina o seu caderno de encargos.
É um Governo com pressa de impor a transferência do que resta do sector público para o sector privado.
Um Governo que segue cada um dos passos do crime económico.
Desmantelar e retirar capacidade de resposta ao sector público, desvalorizar os direitos dos trabalhadores e garantir negócios de milhões com aqueles com quem há muito está comprometido e que quer continuar a servir.
Veja-se o mega-negócio da doença a crescer à custa do Serviço Nacional de Saúde; veja-se o assalto que ambicionam levar por diante aos recursos da Segurança Social que pertencem aos trabalhadores.
Mas é assim também nas Águas cujo processo de privatização está a ser pacientemente preparado, nos transportes públicos com as novas ameaças que se colocam aos sectores mais rentáveis da ferrovia, nas PPP que querem renovar e alargar, na Silopor que já colocou em privatização, nos aeroportos, onde o poder da Vinci, para além do assalto aos recursos do País, está a impedir a construção do Novo Aeroporto que há muito o País precisa.
Este é o Governo da política PCL, privatizar, concessionar, liberalizar.
Por cada privatização, por cada concessão, por cada liberalização é mais um ataque aos trabalhadores, ao povo, à juventude e ao País.
Este País que não está à venda. Este País que não é uma província da União Europeia, nem um apêndice da NATO ou dos EUA.
Portugal é um País soberano, com meios, recursos e capacidades para definir o seu próprio caminho de desenvolvimento e esse desenvolvimento exige que os sectores e empresas estratégicas sejam alavancas ao serviço do País e dos interesses da maioria em vez de servir uma minoria nacional e estrangeira que se acha dona disto tudo.
Portugal é um País soberano que precisa que o Estado tenha os meios de intervenção, planeamento e organização do território, com serviços públicos fortalecidos capazes de assegurar direitos, a coesão de todo o território e o combate às desigualdades.
Esta é uma exigência da actualidade e do futuro.
Este é o desafio que está colocado aos democratas e patriotas mas acima de tudo que está nas mãos dos trabalhadores.
Resistir, enfrentar e derrotar os crimes económicos em curso é dar um contributo fundamental para a ruptura com este desastroso caminho.
Reverter o processo de privatizações é parte integrante do País que os trabalhadores, o povo e a juventude podem e devem construir, é garantir condições para a vida melhor a que têm direito.
Uma luta para a qual os trabalhadores dessas empresas e desses sectores são fundamentais, mas que tem de contar com todos os trabalhadores e com as populações em todo o País.
Porque a luta pela soberania, pelos instrumentos que permitam o desenvolvimento, o combate eficaz aos défices estruturais e a melhoria das condições de vida, a luta pelo controlo público do que é de interesse público e que não pode estar refém do lucro, é uma luta de todos.
Este livro é uma arma para ajudar a resistir a este processo, nomeadamente à gigantesca campanha ideológica que aí está, e para avançar na recuperação desse controlo público que se exige.
E essa resistência e essa luta fazem já parte de um processo muito mais importante, muito mais decisivo: o da ruptura com a política de direita, com a política de restauração do capitalismo monopolista e da total submissão ao imperialismo que a acompanha.
A vida todos os dias demonstra a necessidade dessa resistência e dessa ruptura. E de colocar os valores de Abril no futuro de Portugal.